quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Francesc Domingos Segura

Hoje sonhei com Francesc. Ele me dizia para eu limpar minha escrivaninha... Até agora não o tirei de minha cabeça, a imagem do sorriso doce me persegue desde a madrugada.
Talvez porque durante toda uma parte de minha vida em formação, ele tenha sido uma figura central de meus sonhos, de minha organização sem ordem, e muito de minha inspiração.
Entrar em sua casa repleta de árvores, quadros insistentes a me observarem desde as parades... saber que poderia encontrar-me com Alex (meu primeiro grande amor platônico) e que ele seria sempre o responsável pela minha entrada no ateliê de Francesc, esperando de mim algo que jamais fui capaz de fazer, deu-me hoje a sensação de potência ante minha vida.
Quando na escola, a diretora entrou na sala para me avisar de sua partida, não me lembro de ninguém ter me pedido para ser forte, eu fui. Não chorei e não desejei vê-lo em despedida. Você era tão grande, tão pleno e doador de sua arte que naquele momento eu não poderia chorar, não poderia ser egoísta e vê-lo dormindo dentro de uma caixa que brilhava.
A única recordação que tenho viva em minha alma daquele dia, é que olhei para Alex , no cemitério, com a certeza de que seria a última vez que veria meu grande amor e que jamais teria a chance de sentir seus lábios, seus braços, suas mãos, sua alma a me conhecer. Eu era muito jovem e não sabia ainda arriscar-me, pincelar-me a mim mesma pelas cores da vida. Perdoa-me, Alex.
Ao acordar hoje pela manhã, procurei a pasta que Rita me deu com notícias de jornais, uma carta e três fotos de você com Alex...Não encontrei, não sei onde poderá estar.
Compulsivamente, arrumei meu home ofice, tirei meticulosamente a poeira que se acumulava, organizei as gavetas do lado direito, abri todas as janelas e chorei tudo o que estes anos não chorei por mim.
Esperei tanto que você me pegasse no colo, fizesse carinho em meu longo cabelo preto e liso, que dissesse que o usaria para fazer seus pincéis...lembra? Eu deixava de dormir às noites acreditando que alguém poderia entrar e cortá-los para serem o instrumento que as cores de sua imaginação traçariam ao mundo!
Estou longe, tão longe hoje do MASP, da Capela da PUCSP para olhá-lo e dizer que me faz tanta falta, que todas as palavras, gestos, olhares que você me deu um dia são uma parte de mim, que não convivemos tanto quando deveríamos, mas que o amor de pais e filhos, de irmãos, de amigos é aquilo que podemos ser, é aquilo que seremos por todo nossa vida.
Hoje faz anos que você se foi, hoje faz anos que lembrei meu primeiro amor, hoje senti saudades de tudo que não vivi, mas posso mostrar para você todas as cores que o branco tem porque eu pintei e descobrirei outras nuances ainda para mim mesma, com a mesma alegria que você me deu um dia.

Nenhum comentário: